Eu tenho tido uma certa dificuldade em encontrar conteúdo sonoro pra me acompanhar na academia. Geralmente recorro a podcasts sobre qualquer assunto, e acabo em um dilema: quanto mais eu me interesso sobre o assunto discutido, mais me incomoda estar ouvindo uma conversa onde não posso fazer qualquer interjeição. Ainda assim, os pesos precisam ser levantados, então não tenho escolha. Voltaremos pra isso em instantes.
Meu contato com o Jim Jarmusch, até então, era breve e limitado ao filme de vampiros alternativos. Assisti Paterson sem saber que era dele, e imediatamente se tornou um daqueles filmes que continuam presente na memória. Em uma entrevista na turnê de imprensa, o ator Adam Driver (que interpreta o Sr. Paterson), comenta que sua preferência poética é pela beleza subjetiva, que não precisa ser enunciada. O filme é inspirado na história do poeta William Carlos Williams, e ao invés de explicar a ligação, vou compartilhar “This Is Just To Say”, um de seus poemas:
I have eaten
the plums
that were in
the icebox
and which
you were probably
saving
for breakfast
Forgive me
they were delicious
so sweet
and so cold
Uma beleza silenciosa, invisível, presente a partir da premissa que tudo de mudano também carrega sensação igual: uma confissão, uma ponderação, uma tensão, um prazer. Uma sequência que, se presenciada, seria carregada pelas palavras mais simples. Concordo 100% com o Adam Driver, e sinceramente, confesso que nunca havia parado pra pensar dessa forma, mas prometo a ele que não pensarei diferente e pensarei em poesia inclusive quando for malhar.
O que nos leva de volta a 1 hora que passo na SmartFit. Carregado com essa nova noção, encontrei o podcast Poetry Unbound, narrado pelo (extremamente) irlândes Pádraig Ó Tuama. A proposta é a leitura de um poema, seguido de um comentário e uma repetição desse mesmo poema, agora com um outro olhar. Em um dos episódios, a leitura é do poema “A Man in Love with Plants”, da autora Jenny Mitchell, sobre o assassinato de seu tio.
I’ll start this by transforming his last words.
Help me, please! becomes I have gone upon a mission.
That’s how my uncle spoke, each word precise,
although he did not have much
education, his childhood drab as dirt
assailed the floorboards of a leaning shack.
Outside his final house, he worships life
held in hibiscus buds, red as new-
spilt blood. Roses shade the path.
Yellow orchids make him beam,
jasmine does the same even when
a gang plucks his last breath.
He lies as if awake, feet aimed up at the ceiling,
hole gaping through his golden suit –
self-made, a tailor since a child
in love with floral cloth. I know
he’d seek more plants to bless
his garden-church beyond the house.
Sem procurar beleza, se encontra só ternura e violência - que, como Pádraig aponta, nunca fazem oposição. A violência e as flores são o mesmo pincel do luto. Ouvi sem qualquer réplica mental, sem nada a acrescentar ou a observar, apenas absorver. Entre cada set de halteres, pensava em todas as vezes que precisei inventar a beleza de alguma coisa ao invés de [não existe uma palavra pra esse sentimento]. Continuei puxando ferro, de vez em quando olhando pro espelho, pensando em um homem apaixonado por flores e feliz que poesia existe, e que temos uma só boca mas duas orelhas pra ouvir esse podcast e dois olhos pra assistir Paterson e ler William Carlos Williams.
Paterson (2016), Jim Jarmusch.
Poetry Inbound - A Man In Lovew With Plants, Jenny Mitchel.